Enquanto o universo mágico da Disney encanta pessoas de todas as idades há 100 anos, o deslumbramento das redes sociais é um fenômeno mais recente.
Cada rede tem a sua própria dinâmica: não é à toa que o termo Instagramável seja sinônimo de algo visualmente atrativo. Rolando o feed do Instagram, você provavelmente tem a sensação de que as outras pessoas têm uma vida incrível, em que até o pão-com-manteiga delas têm um sabor especial, pois o ângulo da foto deu essa sensação.
No LinkedIn, parece que a rede está dividida entre dois grupos de funcionários: os bem-sucedidos que amam seus empregos (que geram hashtags como #orgulhoempertencer) e os que, no momento, estão desempregados e buscando recolocação.
Enfatizo a existência de um terceiro grupo, geralmente esquecido por não se manifestar tanto: quem está trabalhando e não vê a hora de partir para a próxima. Há um misto de gratidão (por ter um emprego) e frustração (por querer algo diferente). Além disso, ao entrar no LinkedIn, sente que ficou "para trás".
Afinal, dos colegas empregados, parece que tá todo mundo bem. Ricardo* foi promovido e se mudou de país, Carla* está amando sua nova profissão (mal começou e já se tornou líder da equipe) e Bruna* foi eleita a melhor profissional de seu segmento em uma premiação nacional.
Uau.
Enquanto isso, a Joana* leva uma vida extraordinariamente normal. Trabalha na mesma empresa há alguns anos, das 8h às 18h, com uma hora de almoço. Em alguns dias da semana ela trabalha em home office, quando consegue ajustar sua agenda e incluir exercícios físicos. Gosta de ler, começou a estudar inglês, mas precisou parar por causa da pós-graduação. Quer crescer na carreira, mas não tem certeza de por onde começar. Ela tem a sensação de que está estagnada, pois seus colegas no LinkedIn parecem ter carreiras excelentes.
O termo LinkeDisney brinca com essa perspectiva ilusória de que a carreira do outro é feita apenas de momentos brilhantes. É aquela velha comparação com a grama do vizinho, que parece mais verde do que a sua, sabe?
Precisamos falar sobre isso.
Em um recorte como esse, comum em qualquer rede social, é fácil se esquecer de que, no fim, uma vida normal acontece para todo mundo. O Ricardo enfrenta a adaptação a uma nova cultura, a Carla está aprendendo a gerir pessoas totalmente na prática e a Bruna, enquanto celebra seu troféu, vem tentando negociar um aumento salarial com seu líder - há meses e sem sucesso.
QUEM COMPARTILHA SEUS "DIAS DE LUTA"?
Quando eu era estagiária e cometi um erro que custou duas vezes o meu salário, eu não fiz um post no LinkedIn compartilhando o evento. Também não contei sobre o dia em que um colega de trabalho me ofendeu por eu ter me posicionado contra uma piada machista, e que, depois de segurar minhas emoções durante a conversa, precisei chorar até me acalmar no banheiro da empresa. Esses acontecimentos fazem parte da construção de quem eu sou, e não os escondo. Apenas optei por não compartilhar quando ocorreram, por qualquer que tenha sido o motivo.
Embora tenhamos muito mais "dias de luta" do que "dias de glória", a quantidade do que compartilhamos publicamente é inversamente proporcional: falamos mais sobre o que deu certo, o que nos traz orgulho, o que nos motiva. E tá tudo bem.
Só precisamos nos lembrar de que isso vale pra todos: o que percebemos sobre o outro é a ponta de um iceberg que, embaixo d'água, tem muito mais do que nossos olhos podem enxergar à primeira vista.
PONTOS DE PARTIDA DIFERENTES
Ao nascermos, há todo um contexto socioeconômico e cultural envolvido. Isso influencia as oportunidades às quais temos acesso e, consequentemente, os resultados que alcançamos. Claro que nossa atitude individual também tem seu peso, entretanto, aqui vão alguns exemplos comparativos de pontos de partida:
TEMPO E ENERGIA
Um adolescente que cursa o ensino médio à noite (pois trabalha durante o dia para ajudar com as contas de casa) provavelmente terá um nível de dedicação diferente de outro jovem da mesma idade que foca unicamente nos estudos. Aqui, o cansaço pode pesar, por maior que seja a força de vontade.
Da mesma forma, quem atua em home office não tem as mesmas 24h que um profissional que gasta duas horas por dia em trânsito no trajeto para o trabalho. Ambos podem usar essas horas para ouvir um podcast, por exemplo, mas quem atua online tem escolha: esse tempo pode se tornar um cochilo, uma caminhada, uma ida ao mercado e muitas outras opções. Isso se intensifica em famílias com filhos, que geram demandas extras.
Percebe como não dá para comparar a trajetória da Daniela* (que trabalha online e não tem filhos) com a Renata* (mãe do João, de 2 anos, e que trabalha presencialmente em uma agência em São Paulo, que fica a uma hora de distância de sua casa)?
ACESSO À EDUCAÇÃO
Um profissional que aprendeu inglês durante a infância provavelmente começou sua carreira em um cargo com melhor remuneração (até 83% mais) do que o colega que está aprendendo essa habilidade agora (especialmente se ambos trabalham em uma empresa onde esse conhecimento é relevante, como uma multinacional). É como se houvesse um atalho que apenas um deles acessou.
Um estudante universitário que não pode se mudar de cidade (pois, por exemplo, é cuidador de alguém de sua família - como um filho ou alguém idoso) precisa escolher entre as universidades e cursos disponíveis em sua região. É um cenário bem diferente de quem pode prestar vestibular para qualquer universidade que sonhe ingressar. Ambos podem ser muito talentosos, com grande potencial, mas o contexto leva a algumas escolhas que limitam as possibilidades - especialmente se o curso for exclusivamente presencial.
Percebe como não dá para comparar a história do Lucas* (que cursou Biotecnologia e estagiou em um laboratório da sua cidade) com o Marcelo* (que cursou Biologia e realizou um intercâmbio/estágio em Biologia Marinha no Peru)?
RECORTES DE GÊNERO, RAÇA E SEXUALIDADE
Esse tema, em especial, merece um aprofundamento que apenas um parágrafo neste artigo não irá oferecer. Mesmo assim, trago algumas notícias para inspirar nossa reflexão:
Mulheres dedicam quase o dobro do tempo do que homens a tarefas domésticas. Nesse cenário, quanto tempo sobra para leitura de livros ou uma pós-graduação?
Profissionais negros ganham até 34% menos do que profissionais brancos com a mesma qualificação. Como gerar recursos financeiros (para ter qualidade de vida e investir na própria carreira) quando o motivo da diferença salarial é a cor da pele?
33% das empresas existentes no Brasil não contratariam pessoas LGBTQIA+ para cargos de chefia. Como performar no trabalho enquanto é necessário gastar energia defendendo o direito de ser você mesmo?
Percebe como não dá para comparar a jornada da Rita* (mulher negra lésbica, especialista em Direito Tributário) com a do Henrique* (homem branco heterossexual, também especialista em Direito Tributário)?
Nas redes sociais, especialmente no LinkedIn, tenha cuidado com o fascínio pelo que outras pessoas estão vivendo em suas carreiras nesse momento. É um recorte de suas histórias, que pode ter tido um ponto de partida ou uma jornada diferente da sua. E lembre-se: sua história é única e merece ser escrita considerando a sua individualidade: só assim você dedicará menos tempo comparando-se com outras pessoas e focará na realização dos seus próprios sonhos.
*Nomes fictícios/ilustrativos.
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Artigo publicado originalmente aqui.
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